Só no ano de 2009 (e olha
que estamos 4 anos a frente), foram 54 pessoas mortas em acidentes de trânsito
no Brasil; 257 mil acidentes de trânsito; 4.500 mortes por mês; 148 vítimas
fatais por dia e 7 mortos por hora. Mais de 199 mil pessoas ficaram inválidas
entre sequelados e amputados. E o que nós temos a ver com isso?
Sabe, isso me lembra as aulas teóricas na
autoescola, quando o professor fica lá na frente mostrando vídeos, estatísticas,
apresentando números, se esgoelando todo para que as pessoas entendam a
gravidade do problema e a classe presta atenção ou não, porque por mais que o
professor fale isso não se torna significativo para nós, alunos.
Como
motoristas, depois de habilitados, a gente lê, ouve, assiste notícias assim e
nada, não cai a ficha. Até que um dia a gente vê um acidente de trânsito
violento de perto, vê fotos chocantes de carros que viraram um amontoado de
ferro retorcido, fica horrorizado, a ficha começa a cair e decide numa mais
dirigir. E eu pergunto: a sua decisão vai mudar a realidade? De quem?
Não, a sua decisão de nunca mais dirigir ou de
não aprender a dirigir só vai mudar a sua realidade de convivência com o medo,
só vai te fazer mais refém do medo de dirigir, só vai fazer você se sentir fraco
e impotente duas vezes: uma, porque se rendeu de vez ao medo de dirigir sem
reagir, sem lutar contra ele; e outra, porque vai desistir de fazer a sua parte
na luta diária por um trânsito mais defensivo e humano. Só vai roubar de nós,
motoristas defensivos, mais um parceiro, mais um multiplicador, mais um cidadão
que pode fazer a diferença pelos seus comportamentos éticos, seguros,
preventivos ao volante.
Há quem diga: "dirigir é perigoso demais, daqui
por diante vou viver de carona para sempre que é mais seguro". Mas será que é
mais seguro mesmo?
1. Num acidente, o carona é o que menos pode
fazer alguma coisa para evitar o acidente;
2. Pedir que o motorista faça isso ou aquilo,
que dirija com mais cuidado, com menos velocidade, dizendo "olha o carro", "olha
a moto", "olha a velhinha", "olha o bêbado", isso não vai ajudar, só vai
estressar o motorista ainda mais, que pode pensar que tem mais um carona medroso
e palpiteiro ao lado que, mesmo sem intenção, o está deixando inseguro, estará
transferindo o seu medo para ele;
3. O carona, por maior que seja a sua vontade,
não controla com a boca as decisões do motorista, não controla os pés dele, as
mãos dele, não controla e nem muda a convicção e a intenção de ultrapassar em
local proibido ou de cometer qualquer infração de trânsito ou ao código de
conduta de todo motorista defensivo que possa provocar um
acidente;
4. Estamos sujeitos a acidentes de trânsito até
dentro de casa. Quantos motoristas que provocam acidentes já invadiram e mataram
pessoas em pontos de ônibus? Em cima da faixa de segurança? Quantos desses
motoristas imprudentes já invadiram muros, quintais, partes da casa de alguém
como a varanda, a sala ou o quarto? Quantos acidentes de trânsito já mataram
pedestres nas calçadas?
Se render ao medo de dirigir e ficar na zona de
conforto que ele cria não vai diminuir os acidentes de trânsito, não é garantia
de nos defender de acidentes, não vai nos livrar deles. No comando do carro, a
frente do volante, dirigindo defensivamente, com cuidado, pela gente e pelo
outro, é mais garantia de poder fazer algo de efetivo, pois o motorista
defensivo tem tempo de reagir, pode se antecipar a qualquer coisa que perceba de
errado na via ou no comportamento do outro motorista.
Dirigir com cuidado, respeitando a vida,
praticar para ser um motorista melhor ainda; dar o exemplo pelos nossos
comportamentos ao volante surte mais efeito do que decidir que nunca mais vai
dirigir e colocar a sua vida nas mãos de outros, do que confiar a própria
segurança a outras pessoas que consideramos os melhores motoristas que
conhecemos, mas que em algum momento, seja por excesso de confiança ou por
assumir riscos demais no trânsito, podem celar o nosso destino no trânsito.
Essa manhã postei, indignada, inquieta e com
toda carga de revolta e de outros sentimentos que uma educadora de trânsito pode
ter diante de um acidente que poderia ter sido evitado, as fotos da tragédia
sobre rodas para que todos pudessem ver a realidade como ela é, para ver se a
ficha cai para quem dirige agressivamente, confiando demais nas habilidades que
pensa que tem, ou na sorte que acha que tem. Mas trânsito, carro, dirigir, é
mais que habilidade, pessoal. Não tem nada a ver com sorte.
Dirigir tem a ver com responsabilidade, tem a
ver com amor à própria vida e a vida dos outros; tem a ver com desconfiar de
todo motorista por mais experiente e por anos de carteira que ele tenha porque
quem causa acidentes violentos, quem ultrapassa em local proibido, quem abusa da
velocidade não são os principiantes, os que pegaram a PPD agora, são os que
dirigem a mais tempo, são os que pensam que sabem tudo no trânsito. São os que
pensam que dirigir é fácil demais, quando na verdade, dirigir não é só saber
fazer o carro andar como muitos pensam.
1) Dirigir exige que todos os sentidos do motorista
estejam alertas; exige dirigir sóbrio, de cara limpa, com a visão e intuição de
uma águia mesmo usando óculos;
2) Dirigir exige compromisso existencial com a
segurança;
3) Exige que o motorista estabeleça seu próprio código de conduta antes
de qualquer lei de trânsito, antes de qualquer multa.
4) É estar ligado em tudo; é
desconfiar do comportamento, da reação, é se esforçar para ler o pensamento e
desconfiar do outro motorista seja pelo modo como ele dirige, como se comporta
num cruzamento, pelo modo como segura o volante, como olha para você e se busca
se comunicar ou não no trânsito.
Fazendo essa leitura do outro motorista você
pode prever o que ele vai fazer e ter tempo de frear, de não seguir em frente,
de dar a vez num cruzamento, numa preferencial, de ter tempo de evitar um
acidente.
Uma amiga me disse agora de manhã: "Márcia, você
é louca de postar umas fotos dessas. Como o pessoal que lê o teu blog e visita a
tua página vai reagir? Será que não vai ter medo e desistir de
dirigir?"
E eu respondi à minha amiga que o pessoal que lê
o blog, que visita minha página, que tem medo de dirigir precisa conhecer melhor
o meu trabalho, a minha luta, o que me move, o que me faz acordar todas as
manhãs e dar sentido à minha vida: ajudar a formar motoristas defensivos,
conscientes, cidadãos responsáveis que vão dirigir pela vida deles e dos outros,
cidadãos que vão fazer a diferença no trânsito.
Expliquei à minha amiga que o pessoal que lê o
blog, que visita a minha página no facebook, que quer dirigir defensivamente não
merece, não precisa e não pode viver iludido achando que tomar a decisão de
deixar de dirigir porque viu uma foto de acidente de trânsito vai resolver o
problema ou vai deixá-los mais seguros, ou ainda que vai defendê-los de
acidentes de trânsito.
Deixar de falar de acidentes de trânsito,
pessoal, não vai fazer com que deixem de ser provocados diariamente. É uma
realidade a que todos nós estamos expostos seja como motoristas, como pedestres.
Não adianta alimentar a ilusão de que deixar de dirigir vai nos proteger disso.
Não adianta alimentar a ilusão de que ser carona para o resto de suas vidas vai
livrá-los de qualquer perigo quando, na verdade, quando perdemos um motorista
cheio de desejo, de vontade, de sonhos de dirigir defensivamente, com cuidado.
Quando um motorista, um aluno, quando qualquer
pessoa desiste de dirigir porque viu uma imagem de acidente de trânsito perdemos
mais um parceiro, perdemos mais um multiplicador, perdemos (o trânsito perde, a
sociedade perde) um cara, um homem, uma mulher, um motorista jovem na faixa das
estatísticas que vai fazer a diferença no trânsito.
Perdemos um motorista que
vai morrer na casca e que poderia dar o exemplo de como se dirige
defensivamente, que poderia mudar o trânsito sim com suas atitudes e
comportamentos, pelo menos, por onde ele passar.
Perdemos alguém que poderia
fazer muito mais atrás do volante do que no banco do carona, encolhido pelo
medo, tentando se proteger entregando sua vida nas mãos de outra pessoa, de
outro motorista cujos atos ele não tem controle algum.
Vou confessar uma coisa prá vocês: meu carro
ninguém dirige além de mim. Tenho pessoas na família que dirigem há anos, que
dirigem bem, que dirigem com cuidado, mas isso não é garantia de nada. Atrás do
volante do meu carro eu dirijo como se pés e pedais fossem extensão um do outro;
como se mãos e volante fossem extensão um do outro; como se a visão que tenho
pelo vidro da frente fosse a visão que tenho de tudo que pode acontecer de
errado. Atrás do volante do meu carro eu tenho intuição, eu tenho sintonia
perfeita com a máquina e só eu sei o que vou fazer, o que esperar de mim como
motorista, só eu sei o meu tempo de reação, so eu sei a decisão certa a tomar
naquela hora de acordo com o que sou como pessoa, como motorista, de acordo com
o que acredito sobre o que é dirigir um carro, de acordo com meu código de
conduta.
E isso não é querer ser melhor que os outros
motoristas. É querer ser como todo motorista deve ser: cuidadoso, não confiar
nos outros motoristas porque quando um condutor confia no outro e deixa de fazer
o que deve ser feito o acidente vai ser provocado e não vai poder fugir das
consequências. Isso é responsabilidade, isso é vontade de mudar meus próprios
comportamentos. Essa é a única garantia que tenho de que vou poder fazer alguma
coisa para evitar acidentes no trânsito.
Condutores, tomar a decisão de deixar de dirigir
porque viu uma foto ou uma imagem de acidentes de trânsito não resolve o
problema, pode até dar a falsa sensação de que estaremos protegidos de
acidentes, mas não estaremos.
O que nos protege de acidentes de trânsito é
estar atrásdo volante fazendo a diferença, dirigindo com cuidado,
defensivamente, respeitando a vida, exigindo que seus passageiros coloquem o
cinto, não furando sinal vermelho, não ultrapassando em locais proibidos.
Mais de 90% dos acidentes de trânsito são
provocados por falhas humanas, pelo motorista imprudente. Então, temos de ser
prudentes, temos de parar de nos sentir encolhidos pelo medo de dirigir, temos
de parar de matar nossos sonhos por causa dos outros e do que os outros fazem de
errado atrás do volante. A falha é deles, não é nossa. A imprudência é deles,
não é nossa, embora todos estejamos expostos a acidentes. É a lei do trânsito, é
o risco de estar vivo.
Se existe uma maneira de mudar essa realidade é
dirigindo defensivamente. E é isso, é essa luta, é essa vontade de ajudar a
formar cidadãos éticos, responsáveis, conscientes, que vão fazer a diferença no
trânsito.
Podemos não mudar o mundo. Mas podemos mudar a
realidade do nosso trânsito, pelo menos, por onde passamos.